A Política de Segurança Pública Na América Latina: Encarceramento, Monitoração Eletrônica E Serviço Social

Brasil

Resumo

A Política de Segurança Pública na América Latina, a partir dos números do encarceramento, e monitoração eletrônica de pessoas em cumprimento de medidas judiciais nessa região, assim como a atuação do profissional de Serviço Social como membro da equipe multiprofissional da central de monitoração. A metodologia utilizada teve como base consulta a documentos públicos e estudo bibliográfico por meio da revisão de literatura. O estudo mostra que as políticas de segurança pública praticadas não apresentam os resultados necessários, quando se leva em consideração o atual cenário em crescimento de pessoas encarceradas, e mais recentemente em cumprimento de medidas judiciais por meio do uso de artefatos de monitoração eletrônica. Identificou-se ainda ser contraditório pensar em um Estado democrático de Direito, ao atrelar as políticas de segurança pública às práticas de austeridade; é necessário investimento do Estado na Política de Segurança e nas demais políticas públicas, por considerar que, muitas vezes a infração relaciona-se com as expressões da questão social.

1. INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo apresentar uma análise da Política de Segurança Pública na América Latina, os números do encarceramento e monitoração eletrônica de pessoas em cumprimento de medidas judiciais nessa região, explicita também, a atuação do profissional de Serviço Social como membro da equipe multiprofissional da central de monitoração, a partir das mudanças ocorridas nas políticas públicas e de segurança na América Latina ao final do século XX.

Identifica-se que as políticas públicas por meio dos artefatos tecnológicos de controle, assim como o aprisionamento submete diariamente as pessoas a uma série de desrespeito aos direitos fundamentais, em um contexto onde cresce significativamente a violência e como consequência o número de pessoas em cumprimento de medidas judiciais. Dessa forma, o encarceramento, assim como as experiências de alternativas ao cárcere por meio do monitoramento eletrônico pressupõe não somente aspectos criminais e tecnológicos, mas também as relações sociais envolvidas. Observa-se, inclusive, o rigor com que o poder Judiciário brasileiro prende, julga e condena determinadas pessoas.

As análises referentes às políticas públicas de aprisionamento, tal como as demais, em contexto latino-americano são pertinentes pelo alcance teórico e metodológico, pela identificação das semelhanças e dos processos de transformações que ocorreram nesses países nas últimas décadas. Discussões estas, que se fortaleceram a partir de 1980, resultado da dinâmica política, das transformações e reformas que impactaram os países diante da política de repressão que afetou as políticas públicas, entre elas, o sistema carcerário.

O Serviço Social brasileiro como área de atuação atuante direta no campo das políticas públicas fortaleceu-se desde o final da década de 1970 quando consolidou um projeto profissional comprometido com os interesses das classes trabalhadoras, por meio da Lei Federal nº 8662/1993, que estabelece as competências e atribuições privativas do assistente social com base nas Diretrizes curriculares de 1996, constituindo-se como profissão a partir do tripé teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa (CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL, 1993).

Tais direcionamentos da profissão formam uma engrenagem que fundamentam as dimensões: analítica, interventiva, ética e política, o que habilita o assistente social também para atuar na elaboração, gestão e execução de políticas públicas. Entre esses espaços de atuação, o profissional de Serviço Social é requisitado a compor equipes multiprofissionais, a exemplo da atuação na equipe de monitoramento eletrônico de pessoas.

A política de monitoração eletrônica de pessoas é uma alternativa à prisão, com mediação do assistente social[2], que é um dos membros da equipe multiprofissional. Essa política possibilita ao sujeito à inserção/reinserção na sociedade, e leva em conta o respeito à dignidade humana? A monitoração eletrônica promete aliar os avanços tecnológicos e informacionais ao aperfeiçoamento das políticas e serviços de execução penal, como meio lógico econômico e inovador, além da resolução da problemática do superencarceramento.

Além da consulta a documentos públicos, o estudo bibliográfico, dialoga com os aportes teóricos, de Muller Pierre, Surel Yves (2002) e Giovanni Geraldo (2009, 2019), que analisam o conceito e o processo de formulação das políticas públicas; Guerra Maria (2019), analisa as reformas institucionais no campo da segurança pública e a importância dos saberes científicos como base para tais reformas; Goffman Erving (1988, 2001), distingue as instituições, dentre estas, a prisão; Loic Wacquant (2001, 2008, 2012, 2013), analisa a reincidência e aumento das prisões como estratégia de controle social; as análises concernentes ao encarceramento realizada por Baratta Alessandro (2011); a atuação do assistente social na monitoração de pessoas fundamenta-se em Iamamoto Marilda (2009) e Zygmunt Bauman (2008), e a implementação do monitoramento eletrônico, Campello Ricardo (2015).

1.1 A Política de Segurança Pública

O estudo das políticas públicas busca compreender o papel do Estado e suas implicações na sociedade contemporânea. De acordo com Giovanni (2009, p. 4), “no imediato pós-guerra, os estudos de políticas públicas começam a se desenvolver nos Estados Unidos, norteados por esses mesmos objetivos de fornecer subsídios para ação dos governos”. O conceito de política pública é algo evolutivo, determinado por constantes transformações históricas, permeadas por mediações de natureza variada, à medida que se refere às relações entre Estado e sociedade.

O processo de formulação das políticas públicas deve ser regido por critérios de legalidade, publicidade, impessoalidade, responsabilidade e eficiência. Tais políticas têm como objetivo viabilizar a promoção e a proteção social, e devem ser evidenciadas no interior de instituições estatais minimamente organizadas para executar as ações e programas, dentro dos eixos principais à garantia de renda, à garantia da oferta de bens e serviços sociais, e, ainda, à regulação dos investimentos financeiros. Segundo Giovanni (2009), as políticas públicas não são, no entanto, a única forma de ação pública, pois existem outras formas políticas concorrentes, ou até mesmo simultâneas, como o corporativismo, o mandonismo local, o coronelismo e o populismo.

Giovanni (2019) afirma que política pública na sociedade contemporânea significa além da intervenção do Estado nas questões sociais, exercício do poder nas sociedades democráticas, resultante da interação entre Estado e sociedade, onde a participação popular nos processos políticos resulta no levantamento das situações sociais para aplicabilidade dos conteúdos e das modalidades na consequente intervenção estatal. Para o autor, os agentes sociais no âmbito das políticas públicas pautam suas ações em orientações dotadas de objetivos implícitos ou explícitos e, em maior ou menor grau, com alguma racionalidade denominada de interesses, segundo a lógica da acumulação de capital, a lógica da acumulação de poder político, e a lógica da acumulação de recursos de bem estar.

Nesse caminho, para Muller; Surel (2002), a política pública é fundamentalmente constituída por uma diversidade de relações de poder em formato de rede.

[…] a análise das políticas públicas apoia-se em três noções fundamentais ligadas por uma sequência básica: fenômenos sociais aparecem; eles se tornam problemas dignos de atenção; sua resolução é atribuída ao Estado. Enquanto os fenômenos sociais surgem mais frequentemente de modo caótico e imprevisível, a noção de problema cobre uma realidade mais complexa e mais estritamente definida, dependente das percepções cognitivas e normativas ligadas a uma situação para (MULLER; SUREL,2002, p. 50).

Assim, segundo Muller e Surel (2002) o tratamento cognitivo na análise de políticas públicas é constituído por correntes que buscam compreender a hipótese de que a ação pública no Estado moderno é produto de um dinâmico processo de práticas sociais de um determinado período histórico com a capacidade para interpretar a construção social da realidade. Nessa perspectiva, a análise e apreensão das políticas públicas são resultados de matrizes cognitivas e normativas, assim como a sua implementação e avaliação, concebem que uma política resulta de um processo de interação, e de relações de força que dialeticamente se fortalecem.

Dentre as políticas públicas, encontra-se a política de segurança inserida numa dimensão essencial ao exercício dos direitos fundamentais do cidadão, garantidos constitucionalmente. As transformações ocorridas na América Latina a partir dos anos 80, a exemplo dos movimentos de democratização provindos da queda do regime ditatorial, trouxe um considerável crescimento econômico e social, todavia, tais mudanças não vieram atreladas às transformações significativas nas políticas de segurança pública, no enfrentamento à criminalidade violenta, nas demandas estruturais da relação entre o corpo policial, os poderes estatais e a sociedade civil.

As instituições criadas no processo de democratização da América Latina não acompanharam os objetivos da democracia com ações de implementação tanto durante e após o aprisionamento, no que se refere à prevenção e repressão; à violência e criminalidade, sem com isto gerar novas configurações de violências, e a inserção ou retorno do infrator à sociedade. Esse déficit estrutural de políticas públicas, proteção social e práticas efetivas das instituições representam um dos principais entraves ao exercício do Estado Democrático de Direito, e contribuem com elevados índices de violência nestes países. A mobilidade e inclusão social não vieram em doses suficientes para combater o crime organizado, a corrupção, a lavagem de dinheiro e o tráfico de drogas, responsáveis também, pelo aumento dos homicídios, entre outros crimes, devendo ser, portanto, priorizadas ações nesse sentido nas agendas dos governos e dos Estados.

O mercado ilegal de armas e a lavagem de dinheiro contam na atualidade com um forte esquema de sofisticação e organização, sendo que as atividades tecnológicas atuam por meio das fronteiras nacionais, com excelência em planejamento, gerenciamento, treinamentos e aparatos de inteligência como forma de assegurar o não impedimento à manutenção dos seus interesses. Além disso, esse mercado atua da mesma forma na legalidade, quando não raras vezes movimentam a economia local, que oportuniza para as comunidades uma proteção social não ofertada pelas políticas públicas, minimiza os trágicos efeitos da desigualdade social.

Na América Latina, o direito à segurança pública exige uma atuação desvinculada das práticas violentas da ditadura para oferecer proteção à vida e à integridade física e à educação, nos moldes de qualquer política pública que exige planejamento e fundo próprios. Desse modo, como a redução dos homicídios e encarceramento exigem investimento em políticas públicas, faz-se necessário também o controle de armas, com um eficiente sistema de tecnologia para informação, monitoramento e seletividade carcerária, no sentido de planejar práticas alternativas ao encarceramento.

São políticas a serem pensadas no âmbito teórico metodológico da segurança pública utilizando-se dos saberes científicos gerados no campo das “universidades, organizações sociais, secretarias de segurança e escolas de formação policial. Como se viu nas decisões do sistema interamericano de direitos humanos, o sistema criminal deve ser um objeto de reformas específicas.” (GUERRA, 2019, p. 57). Políticas com base em estudos científicos que apontem os acertos e os desacertos das propostas criadas sem fundamentos estatísticos. Nessa perspectiva, deve-se ainda atentar às possíveis resistências dos diversos grupos sociais, por isso, é necessário buscar formas criativas de superação das resistências e avanço no planejamento de práticas alternativas à prisão. As indicações da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH, 1966)[3] representam um ponto de partida para se pensar nas demandas na área dos direitos humanos, nas reformas relativas ao sistema de justiça e na segurança pública.

Para Guerra (2019), uma reforma do sistema de segurança pública não está somente pautada nos requisitos tradicionalmente “[…] vinculados ao estudo dos direitos humanos, como os protocolos de uso da força, o acesso ao habeas corpus, à existência de uma justiça militar. É preciso avançar também na estrutura de gestão e financiamento […]” (GUERRA, 2019, p. 63), com ciência do elevado custo e a falta de clareza quanto ao planejamento, bem como às metas a serem alcançadas, especialmente em tempos de minimização de recursos financeiros. Fundamentalmente a ineficiência ou fracasso da política de segurança pública encontram-se também atreladas às demandas de gestão, aliadas aos problemas da corrupção que se sobrepõem à questão dos recursos investidos, realidade recorrente na administração pública.

Percebe-se que geralmente os programas de governo somente funcionam temporariamente devido a fatores políticos com inclusão de práticas de austeridade, o que torna pertinente analisar a necessidade de revisão no funcionamento destas, para que os resultados sejam alcançados. Tal contexto pode ser revertido com um maior investimento do governo por meio de planejamento e ações efetivas, necessárias para a manutenção dos planos de segurança pública no sentido de garantir que os programas possam ter continuidade.

A proposta de segurança pública foi inspirada nas iniciativas aplicadas desde os anos 80 pelos Estados Unidos da América (EUA). Entre 2013 a 2016, vários países promoveram programas de tratamentos contra drogas, supervisionados judicialmente, dentre eles: Costa Rica, Guatemala, Panamá, República Dominicana, Chile, Peru e México. A Bolívia e o Paraguai também trabalharam no sentido de reduzir o encarceramento, e assim, asseguraram a realização das audiências de custódia em 2014. (OEA, 2017)

Com referência às sugestões à efetividade da política, reforça-se “a urgência de se avançar na política de segurança pública, tendo em vista os riscos da situação se agravar, seja para um Estado de ‘violência endêmica’, seja para um Estado policial […]” (IPEA, 2015, p. 122). Nesta perspectiva, certas medidas podem resultar em efeito contrário ao desejável, a exemplo do uso da repressão, punição e encarceramento, por meio da rigorosidade da legislação penal e criminalização de determinados grupos sociais que podem ampliar a exclusão social e não reprimir a criminalidade.

A repressão direcionada para as camadas populacionais mais vulneráveis socioeconomicamente cria um sentimento generalizado de injustiça, que acaba por esgarçar os vínculos sociais e apartar a polícia das comunidades, inviabilizando o necessário trabalho de coprodução da segurança pública. O encarceramento em massa, por sua vez, facilita o recrutamento do jovem no negócio do crime organizado, além de permitir um aprendizado das tecnologias criminosas, cujo resultado retorna às ruas. (IPEA, 2015, p. 122)

Segundo o IPEA (2015) o encarceramento em alguns contextos pode ser evitado. As previsões mais otimistas apontavam que algumas tendências dificilmente seriam superadas até 2023. De fato, além do não avanço, identifica-se retrocessos com relação ao acesso, por parte da população, aos direitos sociais.

Ainda como parte do processo de reorganização da política de segurança pública, considera-se ser necessário avançar na governança, onde a política de segurança pública encarregue-se de “[…] coordenar, integrar e focar melhor as medidas de prevenção e repressão. Isso pode passar pela estruturação do sistema único de segurança pública […]” (IPEA, 2015, p.123). Um sistema integrado de segurança precisa pensar em mecanismos de governança, que vincule União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e, necessita fundamentalmente gerar condições para o gerenciamento entre todos os agentes com participação efetiva. (IPEA, 2015)

Quando se pensa em universalidade e equidade em políticas públicas é importante analisar se é possível atrelar tais direitos às políticas de coação que vem sendo implantadas no país. O livro “Austeridade e Retrocesso: impactos sociais da política fiscal” (BRASIL, 2018), faz análise dos impactos das políticas de cortes em diversas áreas, dentre eles, com os direitos humanos, e demonstra os efeitos extremamente negativos das políticas de correção praticadas no Brasil. O documento mostra que a repressão não se justifica em uma necessidade técnica, conforme anunciado, mas, trata-se de uma opção política-ideológica baseada em falácias sem fundamento empírico. Refere-se a um instrumento de base neoliberal que está embutido no mundo desde o século XX, o que gera a fragilidade das políticas sociais de caráter universais trazendo efeitos devastadores para a sociedade.

A partir da compreensão de direitos humanos, a segurança constitui-se numa necessidade. Em virtude do agravamento da insegurança, principalmente nos países da América Latina, a Organização das Nações Unidas (ONU, 1994) inseriu o conceito de Segurança Humana, no conjunto do “desenvolvimento humano sustentável”. Nessa perspectiva, a segurança, direito do cidadão é complemento da segurança pública e ambos os conceitos se completam.

Ao longo dos anos, o campo da segurança pública passa por diversas alterações, o que inclui as intervenções das forças armadas. A questão a ser analisada é se estas mudanças serão eficientes para garantir de forma igualitária, segurança, justiça e cidadania, conforme direito garantido institucionalmente. A depender do país, essa atuação é vista sob as diferentes perspectivas. Quanto à América Latina, o emprego das forças armadas é visto com reservas, pois, choca com a visão de um relativo acordo de paz entre os Estados, concomitante ao elevado nível de violência. Além disso, as forças armadas nas ruas lembram a atuação dos militares em guerra contra o inimigo interno no período da Guerra Fria. Nesse sentido, a insegurança pública impossibilita e dificulta o crescimento econômico e social, demanda investimentos de recursos do setor privado na segurança, e ainda produz efeitos corrosivos na competitividade pela captação de capital externo para investimentos.

Para Saint-Pierre (2012) a participação dos militares na segurança pública também pode se relacionar com o crescimento do conceito de segurança multidimensional ocorrido na América Latina, que se deu no seio da Organização dos Estados Americanos (OEA) apoiada nos EUA, a partir da geração da Declaração de Bridgetown, que defendia a necessidade de uma atuação abrangente e focada no combate a novas ameaças. Assim, foi identificada a demanda pela utilização das Forças Armadas em âmbito nacional, ponderando a fluidez entre os campos da Defesa e da segurança pública.

No que se refere a necessidade de combate a novas ameaças, estas podem ser vistas como uma série de fatores que protagonizaram no contexto internacional pós-Guerra Fria, especialmente o crime organizado, o terrorismo e o tráfico de drogas, atividades estas, que não respeitam as fronteiras dos países, ultrapassando as várias jurisdições. (LUTTERBECK, 2004).

1.2 O encarceramento, a monitoração eletrônica de pessoas e a atuação do Serviço Social

A prisão surgiu no século XVIII idealizada e defendida pelo discurso humanista do iluminismo para impedir as penas corporais e a pena capital, como ocorria até então. No século XIX, a prisão passa a ter como objetivos, a punição e a educação com base nos princípios do isolamento, do trabalho e da modulação de pena. Nesse contexto, a prisão servia como lugar de meditação e arrependimento, marca um momento importante na história da justiça penal, sendo o poder de punir exercido pela sociedade, por intermédio do Estado.

A partir daí identifica-se um acréscimo das unidades prisionais, como também no número de encarcerados até atingir as estatísticas atuais, inclusive, no que se refere ao público feminino. Desde o ano 2000 observa-se um acréscimo do encarceramento feminino no mundo, com um aumento superior a 50%, enquanto o índice masculino cresceu aproximadamente 20% de 2000 a 2017. No ano de 2016, a população carcerária do mundo ficou em torno de 10,4 milhões de pessoas, 144 detentos a cada 100 mil habitantes (INSTITUTO IGARAPÉ, 2019).

De acordo com o ITTC (2017), a população carcerária feminina na América Latina aumentou 51,6 % de 2000 a 2015, em comparação a 20% da população masculina. Isto também se deve ao excesso do uso da prisão provisória que é um dos principais fatores do superencarceramento, conforme acontece em muitos países da América Latina, “como o Brasil, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Uruguai e Venezuela […]”, definem nas legislações, formas alternativas à prisão provisória por meio de medidas cautelares no próprio domicílio, como nos casos de gestantes e de mulheres com filhos lactantes (ITTC, 2017, p. 24).

No decorrer da história, os sistemas carcerários e penais passaram a integrar a política de segurança pública, a partir de legislações e resoluções específicas, com propósito, inclusive, à redução da criminalidade e prisão, entretanto, historicamente os estudos relativos ao sistema penal, e especificamente, às prisões na América Latina, confirmam um desacordo entre o que preconizam as leis e o funcionamento das instituições, diante do crescimento da violência e da população prisional.

As prisões latino-americanas há tempos são bastante conhecidas pelas desumanas condições de encarceramento, agravando-se, como consequência natural do crescimento das populações carcerárias desde o ano 2000. As estimativas eram que a taxa de crescimento dessa população se estabilizasse a partir de 2018, no entanto, o encarceramento cresceu 60,5% ao longo da década em um ritmo muito mais acelerado que o crescimento populacional da América Latina (19,8%). Em 2018, quando a população geral da América Latina era de 617.224.891, a população carcerária era de 1.487.767, mais que dobrou em 19 anos, totalizando 1,4 milhão de presos em 2018. (INSTITUTO IGARAPÉ, 2019)

Quanto ao número de pessoas encarceradas, segundo o site countryeconomy.com (2018), em 2018, na Argentina haviam 85.283 pessoas encarceradas; na Bolívia, 18.195; no Brasil, 720.888; no Chile 45.977; na Colômbia, 114.750; em Costa Rica, 14.224; em Cuba, 57.337; no Equador, 37.497; em El Salvador, 39.642; na Guatemala, 24.303; no Haiti, 8.882; em Honduras, 20.728; no México, 196.322; na Nicarágua 20.918; no Panamá, 16.561; no Paraguai 14.627; no Peru, 90.934; na República Dominicana, 26.078; no Uruguai, 26.078 e na Venezuela com 57.096 pessoas aprisionadas.

Para o Instituto Igarapé (2019), no ano de 2019, a população prisional total da Bolívia era de 19.161 pessoas; a população prisional total da Colômbia era de 109.034 pessoas; no Peru, a população total de pessoas presas era de 96.870 pessoas; no Paraguai a população prisional total era de 16.804 pessoas presas.

Observa-se que o crescimento da população prisional é vertiginoso, assim uma das formas pensadas pelo Estado para evitar a segregação e a superpopulação encarcerada foi a monitoração eletrônica[4] de pessoas em cumprimento de pena[5]. A primeira iniciativa do uso foi em 1960 nos EUA, seguidas, em 1983 pelo Estado do Novo México; em 1987, no Canadá; ao final dos anos 80, na Inglaterra; em 1994, na Suécia, e na década de 90, outros países europeus como Holanda e Bélgica iniciaram a utilização da monitoração eletrônica. Na América Latina, a Argentina, foi o primeiro a adotar a técnica em 1997 e no Brasil oficialmente foi determinado pela Lei nº 12.2/58/2010. (INSTITUTO IGARAPÉ, 2019).

Segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA, 2017), após o ano de 2013, os países da América Latina como Argentina, Brasil, Costa Rica, Costa Rica, Chile, Equador, Panamá, Portugal, México, Guatemala, Peru, Venezuela e República Dominicana, adotaram o monitoramento eletrônico de pessoas. Na Argentina, em 2016, havia 192 pessoas com uso das pulseiras eletrônicas, e no Brasil, em 2015 havia 18.172 monitoradas com tornozeleira. A Argentina, o Brasil e o México obtiveram avanços importantes relativos ao monitoramento e supervisão das medidas alternativas à prisão preventiva. No que se refere a determinação das medidas alternativas ao aprisionamento, no âmbito legislativo, a Argentina, México e Peru modificaram suas legislações. O Brasil e a Colômbia estabeleceram alternativas ao encarceramento e a racionalização do uso da prisão preventiva. (OEA, 2017).

Em 2015, no Brasil, segundo o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), das 17 (dezessete) centrais de monitoramento, somente 06 (seis), contavam com uma equipe multidisciplinar em seu quadro, o que acentua os efeitos dos danos físicos, psicológicos e sociais que podem causar com o uso da tornozeleira eletrônica. Haviam 18.172 pessoas monitoradas, sendo 88% homens e 12% mulheres, e em cinco anos o aumento foi de 285%. Em 2020, o número total de presos e monitorados eletronicamente no sistema penitenciário brasileiro chegou a 51.897 mil detentos. (DEPEN, 2020).

A precariedade na prestação dos serviços prisionais tanto no cárcere, quanto no que se refere a prisão domiciliar via monitoração eletrônica reduzem as chances de reinserção social.

Segundo o Instituto Igarapé (2019)

A deterioração de serviços prisionais é considerada um dos fatores que contribuem para um clima social negativo, minando a probabilidade de ressocialização do preso. Além disso, a superlotação de presídios e a consequente piora do ambiente prisional tendem a gerar um aumento do número de delitos cometidos por detentos, embora haja quem considere essa correlação não relevante estatisticamente. Outros problemas apontados estão associados aos litígios decorrentes da superlotação e ao maior comprometimento do gasto público com o sistema de justiça criminal. Também foram observadas consequências negativas da superlotação dos presídios […] a superlotação tende a provocar o aumento do número de violações à liberdade condicional […] (INSTITUTO IGARAPÉ,2019. p.02)

Ao analisar o poder que o Estado exerce sobre os indivíduos, Goffman (2001), afirma que a prisão como instituição total, transforma a pessoa em passivo, dentro de uma relação de poder entre dominantes e dominados. Para ele, a prisão possui características de massificação e mortificação da subjetividade “mortificação do eu”, “deculturação”, uma instituição total que consome parcela do tempo e do interesse das pessoas presas em um mundo particular. Segundo Goffman (2001, p.22), as prisões “[…] são as estufas para mudar pessoas; cada uma é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu […]”, são instrumentos manipulados pela classe dominante que exerce um controle social acirrado. Ao contrário da violência, o poder não precisa ser justificado, somente legitimado.

Wacquant (2013) ressalta que o encarceramento em massa, reforça a divisão de classes e raça na sociedade americana como parte de um avanço do setor penal do Estado, atrelado a drástica redução do Estado de bem-estar social, diante de um mercado de trabalho desregulado e um rigoroso sistema punitivo. Para o autor, o encarceramento é um instrumento utilizado pelo Estado “a partir do qual, o incômodo problema da marginalidade persistente enraizada no desemprego, no subemprego e no trabalho precário, tornou-se menos visível – se não desapareceu da cena pública.” (WACQUANT, 2013, p. 112). Desponta aí, uma classe atingida pela lógica do Estado penal, que teve seus direitos negados pelo Estado, definida como população problemática, “residentes das profundezas do espaço social e urbano.” (WACQUANT, 2008, p. 16).

Goffman (1988) analisa que essa população problemática recebe um estigma que oculta uma dupla perspectiva.

No primeiro caso, está-se lidando com a condição do desacreditado, no segundo com a do desacreditável. Esta é uma diferença importante, mesmo que um indivíduo estigmatizado em particular tenha provavelmente experimentado ambas as situações. (GOFFMAN, 1988, p.7)

Goffman (1988) distingue três formas de estigmas: as deformidades físicas; as culpas de caráter individual e os estigmas tribais de raça, nação e religião. Nesse caso, quando trata das pessoas encarceradas, o estigma pode ocorrer pela ideia da falha no caráter, assim como pela raça/cor. Como resultado do estigma, da redução do Estado de bem-estar social e intensificação do Estado penal, tem-se a segregação de pessoas.

Para Baratta (2011, p. 3), é contraditório segregar pessoas e pensar na sua integração ou reintegração, “[…] o entendimento da reintegração social requer a abertura de um processo de comunicação e interação entre a prisão e a sociedade, no qual os cidadãos reclusos se reconheçam na sociedade e esta, por sua vez, se reconheça na prisão”.

Tal processo de interação entre a sociedade e a prisão, se coloca no lugar da outra pessoa, faz-se necessário na reintegração social da pessoa presa, entretanto, à medida que a cresce a violência, mais a sociedade deseja a prisão dos envolvidos e ignora os direitos fundamentais da população prisional garantidos na Lei de Execuções Penais e o não funcionamento dessa Lei dentro do Sistema Penitenciário Brasileiro. Dessa forma, é urgente, por parte o Estado pensar em ações no sentido de informar a sociedade sobre a realidade das prisões e o poder negativo da discriminação, da exclusão do castigo e do estigma contra a pessoa presa e/ou egressa da prisão, além de projetar a aplicação de penas alternativas à prisão diante dos crimes de reduzido potencial ofensivo.

Fato é que o sistema penitenciário apresenta diversas deficiências, o que gera uma série de críticas quanto ao seu propósito legal. Dessa maneira, a monitoração eletrônica refere-se a uma tendência estrutural com larga implementação que traz mudanças complexas e profundas quanto ao controle do delito, sendo acompanhada pelos agentes penais e também por uma equipe multidisciplinar, dentre esses, o profissional de Serviço Social.

Mas, e quanto a atuação deste profissional como membro da equipe multiprofissional de monitoração de pessoas na garantia de direitos? Na geração de propostas de trabalho de acordo com o projeto ético-político da profissão, no atendimento às demandas das pessoas presas em monitoramento e suas respectivas famílias visando a emancipação destes? O Serviço Social no sistema prisional atua mediante a Lei de Execução Penal (LEP)[6], nº 7.210/1984, contudo, segue com uma atuação limitada que não abarca todas as atribuições do profissional.

A monitoração eletrônica tem como proposta o cumprimento da pena em âmbito domiciliar, atrelada ao acesso a uma rede de serviços socioassistenciais com perspectiva de resultados à emancipação humana. O assistente social, membro da equipe de monitoramento de pessoas, deverá consolidar sua atuação na competência teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativo que lhe habilita conforme a Lei Federal nº 8.662/1993, Art. 4º, “I – elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares”. Ou seja, sua atuação não se restringe à execução de políticas e/ou simplesmente a elaboração e alimentação de dados e informações burocráticas, assim como não diz respeito a uma perspectiva messiânica do trabalho. Dessa forma, sua presença nas centrais, não necessariamente significa a efetivação de direitos pelos quais se deve lutar.

O projeto profissional do Serviço Social é dotado de caráter ético-político, de universalidade, baseia sua prática em uma dimensão técnico-profissional, estabelece deste modo, um “[…] norte quanto à forma de operar o trabalho cotidiano, impregnando-o de interesses da coletividade ou da ‘grande política’, como momento de afirmação da teleologia e da liberdade na práxis social.” (IAMAMOTO, 2009, p. 27). Destarte, a sistematização dessa prática profissional, abarca todo o processo de organização do arsenal teórico metodológico e técnico instrumental, o profissional deverá atuar efetivamente para a construção de uma reflexão e comportamento crítico-investigativo a partir da materialização do retorno institucional e das políticas sociais.

Entretanto, o assistente social é desafiado à prática profissional em um contexto de metamorfoses, a partir da introdução de novas tecnologias com o objetivo de elevar os níveis de produtividade; da reorganização do sistema político e ideológico, com base na política macroeconômica neoliberal; na redução da intervenção estatal, a partir de uma série de privatizações e ainda redução da proteção social.

O cotidiano profissional é composto por inúmeras armadilhas, cabe ao assistente social identificá-las, a partir da sua formação teórico-prática. A simples existência desse profissional nas centrais de monitoração, não necessariamente significa atendimento de acordo com o projeto ético político profissional do Serviço Social de forma a concretizar acesso à dignidade humana. É necessário que haja planejamento, organização, recursos humanos e materiais, delimitação de atribuições e uma estrutura adequada para a viabilização da prestação dos serviços sociais. É fundamental viabilizar acesso dos sujeitos a projetos de profissionalização, trabalho e renda, educação, entre outros, para que tem validade de fato o propósito da pena que é o acesso a direitos.

Ao analisar a atuação dos assistentes sociais intitulados como profissionais permissivos, diante da incapacidade de promover o protagonismo dos demandantes, o autor Zygmunt Bauman[7] (2008,) ressaltou que:

Não é de admirar que os assistentes sociais dos países baixos, são treinados para acreditar que o segredo do sucesso e das derrotas deveria ser procurado e deveria ser encontrado nas letras das regras de procedimentos e na adequada interpretação do seu espirito, Quando a ‘execução de procedimentos’ ganha da ‘avaliação moral’ como guia para a avaliação do trabalho, uma das consequências mais claras e seminais é a ânsia de tornar as regras mais claras e menos ambíguas que são, para assim diminuir alcance de suas possíveis interpretações e tornar as decisões de cada caso totalmente determinadas e previsíveis pelo ‘regulamento’. (BAUMAN, 2008, p. 94)

O contrário disto poderia ser a culpabilização do próprio sujeito pela sua condição de desassistido, ou ainda, a se responsabilizar pela condição do assistido, pois:

Tais crenças impulsionam os assistentes sociais a serem voltados para si mesmo e procurarem explicação da crescente maré de críticas contra o bem-estar social em suas próprias falhas. Chegam a acreditar que qualquer coisa que os críticos dizem estar errada no Estado de bem-estar Social pode ser retificada, se eles, os assistentes sociais puderem planejar um inventário claro dos direitos dos clientes. (BAUMAN, 2008, p. 95)

O assombro do Serviço Social “[…] é a incerteza endêmica à responsabilidade moral. […] Ela só pode ser neutralizada com a consciência ética”, que parece distante na modernidade. O futuro do profissional de Serviço Social e do Estado de bem-estar social não se traduz na atualidade em “afiar, reduzir e direcionar melhor as regras, classificações e procedimentos, […]. Somos todos guardiões dos nossos irmãos; mas, o que isto significa está longe de ser claro […].” (BAUMAN, 2008, p. 113).

Bauman, (2008) explica que o mal-estar da pós-modernidade define-se diante de uma série de elementos que geram crises de valores e dita as regras em uma sociedade individualizada a partir do direcionamento da matéria prima em prol da geração de riquezas.

No campo das políticas públicas, essa pergunta é reformulada cotidianamente: “Acaso sou guardião de meu irmão[8]?” Se essa pergunta de Caim for pronunciada na atualidade de diferentes formas, a resposta seria o estado natural da sociedade moderna, que desacreditada das instituições, crê que o bem-estar do outro não deve ser uma preocupação coletiva, mas sim individual, pois, o Estado de bem-estar social sofre ataque de todos os lados, e isto significa que a única combinação de fatores que levaria à sua concretude já não existe mais, exaltando e legitimando ainda mais a individualidade em tempos do Estado neoliberal.

Tal ausência do Estado de bem-estar social e consequente individualismo analisado por Bauman (2008) repercutem muito negativamente no avanço do aprisionamento de pessoas, assim como no uso do artefato eletrônico como meio de prisão domiciliar. Nessa perspectiva, os requisitos que alavancam o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de um país, a serem contemplados pelo Estado de bem-estar social na formação dos sujeitos, que poderiam reduzir a necessidade de aplicabilidade de penas judiciais não são considerados anteriores à prisão, durante, e, muito menos durante o uso da monitoração eletrônica, pois, não existe uma estrutura do Estado de bem estar-social para emancipação humana, deixando-a, a cargo da sociedade civil, do terceiro setor, ou do próprio sujeito que passa a se responsabilizar pelo cumprimento de sua pena, assim como pela sua inserção social, ou conforme analisa Bauman (2008, p. 95): “Somos todos guardiães dos nossos irmãos”, frente à naturalidade do Estado. Enquanto isto, o Serviço Social desenvolve atividades não compatíveis com suas atribuições, sendo qualificado como não cumpridor de seus deveres na promoção da dignidade humana, enquanto o Estado segue a serviço do capital financeiro.

A custódia em domicílio sob a vigilância eletrônica teve um crescimento significativo nas últimas décadas, contudo, as opiniões divergem[9], inclusive, há quem questione a limitação dos direitos no sentido de invasão da privacidade, pois, o artefato, constrange a pessoa. As defesas ao sistema de monitoração eletrônica justificam sua eficácia, entre outros fatores, pela possibilidade da separação de presos de acordo com os delitos praticados, respeito das individualidades, conservação do convívio em sociedade, e assim cumpre sua principal finalidade que é fazer com que o condenado não seja retirado do seu meio social. Além de reduzir a superpopulação carcerária, diminuir dos custos do Estado e dos riscos de reincidência criminal. Críticas severas também são feitas ao Estado, por não cumprir o seu papel, ao libertar criminosos com o único objetivo de sanar o problema da superlotação, substituindo a segurança social pelo lucro financeiro.

Nesse sentido, as discussões, defesas contrárias e favoráveis à implantação do monitoramento eletrônico, são pertinentes, por prever a relação de poder presente nessa tecnologia, além da estigmatização e sujeição das pessoas diante do uso de pulseiras e tornozeleiras eletrônicas.

Nessa mesma direção, Campello (2015, p.13) afirma que “as doutrinas conservadoras no âmbito da justiça criminal e de programas de segurança pública pautados no lema do combate ao crime”, oriundos principalmente dos EUA, cooperaram fortemente para a implantação da monitoração eletrônica, na medida em que conduziram o avanço da população carcerária à geração de novas formas de cumprimento de pena em meio aberto, e, justificaram o combate à criminalidade ao criar tecnologias para monitoramento dos espaços urbanos. Exemplo disso é o programa policial de Tolerância Zero, deflagrado nos EUA a partir da década de 1970, e exportado para diversos países, a exemplo do Brasil.

Sustentada na teoria das “Janelas Quebradas”, a ideia básica da Tolerância Zero consiste na captura e punição de todo e qualquer infrator, por mais insignificante que seja sua infração, demandando a criação de medidas punitivas diversas à prisão na medida em que se torna impossível manter reclusos todos aqueles que são detidos pela polícia. Além disso, a utilização de mecanismos baseados em técnicas computoinformacionais e de modelos renovados de gestão das forças de segurança pública constituem algumas das marcas da Tolerância Zero admiradas por líderes políticos e chefes de segurança em todo o planeta. Não à toa, os sistemas de monitoramento eletrônico de presos foram desenvolvidos nos EUA na mesma época em que se deflagrava a doutrina de Tolerância Zero. (CAMPELLO, 2015, p.13-14)

Para Campello (2015), o programa policial de Tolerância Zero, baseado na Teoria das Janelas Quebradas[10], consiste na captura e punição, independente do grau da infração, sob a justificativa do seu potencial ressocializador. Todavia, enquanto isto, o setor privado apresentou argumentos em favor do monitoramento via utilização de mecanismos tecnológicos utilizando-se da “[…] argumentação econômico-política, de prestação de serviço público que se baseava tanto na hipótese da reabilitação, como no favorecimento ao corte de gastos que seus produtos propiciariam ao Estado.” (CAMPELLO, 2015, p.13-14). Ou seja, analisa a forma do capital financeiro com propósito da lucratividade, e utiliza-se do Estado e da política de segurança como meio.

A Teoria das Janelas Quebradas tem como propósito relacionar a desordem com a criminalidade. As opiniões divergem quanto a eficácia da teoria, apesar de resultados positivos na redução da criminalidade em alguns países a partir da implantação de políticas de segurança pública com base na Teoria das Janelas Quebradas e Operação Tolerância Zero. Para Wacquant (2001)[11], antes dessas teorias, os EUA já era dotado de leis que ditavam até mesmo a forma como os cidadãos se comportavam publicamente, como por exemplo, embriagar-se. Dessa forma, a análise perpassa pela questão de até que ponto a adoção de uma política de vigia, monitoração eletrônica de pessoas com base nas regras da Teoria das Janelas Quebradas seria eficaz contra a criminalidade?

Para Wacquant (2001, p. 27), a Tolerância Zero amparou-se em um fundamento onde “a polícia passou a se organizar com base em técnicas de gestão, […] com base em metas cumpridas, o que estimulava a prática de prisões absolutamente desnecessárias ou desproporcionais (ou mesmo ilegais), tão-somente para atingir-se os números esperados”. Fundamenta-se na retórica militar da “guerra” ao crime. “A influência da política criminal radical norte-americana foi ainda maior na América Latina que na Europa.” (WACQUANT, 2001, p. 19).

Com o objetivo de manter a ordem frente aos conflitos gerados diante da retração do Estado na proteção social, utiliza-se de mecanismos de disciplinamento pelas vias do aparato policial e jurídico. Para Wacquant (2012), a deterioração das políticas públicas e o desmonte de direitos conquistados pelas lutas da classe trabalhadora, rebate na extensão do Estado punitivo pela via do aprisionamento.

Evidencia-se, segundo Wacquant (2008) que o Estado penal em detrimento do Estado social situa-se no contexto da crise do capital, afeta todas as instâncias da vida social. O avanço das políticas neoliberais, a cíclica variação de retração e desenvolvimento do atendimento via políticas públicas, é substituído pelo crescimento do regime jurídico. A lógica neoliberal se apropria de todas as áreas da vida social e política dos sujeitos reduz as estatísticas, enquanto implantam programas e tecnologias de ponta a partir de discursos que reproduzem tal ponto de vista com intuito de cumprir sua meta de acumular capital. São vários os pontos a analisar no que se refere à mercantilização da tecnologia, e à redução das demais alternativas à prisão.

De qualquer maneira, algum tom de despedida aos mecanismos austeros de confinamento punitivo parece evidente nas últimas passagens do livro Vigiar e Punir de Michael Foucault (1987), em que mais tarde levaria Loïc Wacquant (2001) a sublinhar a conjectura equivocada e dedicar sua sociologia da punição à análise do encarceramento em massa, alavancado pelo neoliberalismo recente. A emergência da penalidade neoliberal seria marcada em primeiro plano pela explosão das populações carcerárias, concomitante à pulverização de novos sistemas de controle e segurança, tal como se observam no Brasil ao longo das últimas duas décadas.

Para Cupani (2016), “a promessa da tecnologia está em consonância com os ideais de liberdade, igualdade e autorrealização próprios da democracia liberal, a qual foi conquistada de acordo com o paradigma tecnológico […] (CUPANI, 2016, p. 147)”. No entanto, é necessário questionar seus efeitos diante do ideal imposto pelo projeto neoliberal, pois, “[…] a vida social está, assim, organizada com base numa repressão que não é percebida como tal, na ilusão de que a ciência e a tecnologia representam instrumentos de uma existência mais livre e feliz.” (CUPANI, 2016, p. 151). Entretanto, tais conquistas comprometeram elementos fundamentais.

A lógica quantitativa da máquina, do poder e do lucro se referência na atualidade “[…] há uma lógica à existência social, inclusive, sobre os sistemas sociopolíticos […] (CUPANI, 2016, p. 90)”. A racionalidade da tecnologia se apresenta soberana, sob a justificativa da eficiência, que controla as atividades sociais e individuais. É necessário identificar e enfrentar os desafios postos pelo desenvolvimento tecnológico para fins de monitoração de pessoas como demandas e enfrentamentos coletivos; repensar o avanço tecnológico para uso de políticas públicas de cumprimento de pena atrelado ao desenvolvimento humano.

Na obra O capital de Karl Marx (2010), verifica-se bases teóricas sólidas e historicamente importantes para uma análise crítica dos fundamentos da sociedade capitalista e seu vínculo com as relações de produção e circulação de bens. Nessa perspectiva, Marx analisa a forma como a incorporação dos avanços científicos e tecnológicos nas diversas áreas de produção relaciona com a sociedade capitalista, ou seja, com a exploração da força de trabalho e a produção de capital.

Nessa esteira, o referencial teórico de Marx (2020) proporciona base para uma análise crítica de como as recentes inovações tecnológicas em forma de artefatos criadas para atender o monitoramento eletrônico de pessoas são pensadas como sendo respostas às demandas de produção e reprodução do capitalismo em face da historicidade, a totalidade e as contradições desse sistema. Desse modo, pressupõe que a tecnologia apresenta o comportamento do homem com a natureza, o processo presente de produção de sua vida social e as concepções mentais resultantes dela. Nessa linha de raciocínio, o desenvolvimento e aplicação de novas invenções tecnológicas são inerentes à acumulação capitalista, alterando-se continuamente de acordo com o movimento do capital.

2. Considerações finais

Esse levantamento objetivou uma análise da política de segurança pública na América Latina. Identificou que apesar de uma série de políticas que foram implementadas ao longo dos últimos anos seguem com um forte ranço do período ditatorial, o que se confirma nas práticas policiais, e como consequência na política de segurança pública. Práticas estas, que não apresentam os resultados necessários, quando se verifica o avanço do número de pessoas encarceradas, e mais recentemente ao cumprir as medidas judiciais por meio do uso de artefatos de monitoração eletrônica.

Dessa forma, as soluções passam pelo fortalecimento da capacidade do Estado em gerir a violência. Fundamentalmente, o processo de reestruturação da política de segurança pública predispõe romper com velhas práticas austeras de prevenção e combate ao crime. Exige-se relação com a ciência, utilizando-se de estudos sobre o tema; investimentos na implementação de um novo modelo de segurança que se somarão às metodologias participativas; ações integradas e duradouras baseadas principalmente no reconhecimento dos sujeitos sob todos os aspectos, ponderar os espaços sociais que estes ocupam, e seus direitos à cidadania plena; técnicas que contemplem prioritariamente, ações preventivas e a efetivação de uma política com base nos princípios democráticos de dignidade, além de prezar os direitos de igualdade e de justiça social.

No entanto, as próprias estruturas tradicionais de segurança compõem a principal resistência para essa conscientização e mudança de comportamento. Assim, essa reforma na estrutura, embora esteja cada dia mais frequente nos discursos políticos, parece distante de ser consolidada. A prova de que esta forma de fazer política de segurança não funciona pode ser constatada no número crescente de encarcerados nos países latino-americanos, onde o confronto ainda é a principal metodologia de trabalho da segurança pública.

Confronto este, também duramente praticado pela participação das forças armadas nas ações da segurança pública. A validade da participação das Forças Armadas dos países latino-americanos em operações de segurança pública também necessita ser repensada a fim de refletir que pode desencadear a minimização da gestão e controle civil, e levar consequentemente a um possível comprometimento das relações civil-militares.

Nas últimas décadas, surgiu e se alastrou pelos países a monitoração eletrônica aplicada às políticas públicas com o objetivo de monitorar pessoas em cumprimento de medidas judiciais, como técnica que promete aliar, vigiar, punir, e acessar a rede socioassistencial, com acompanhamento de agentes penais e equipe multidisciplinar, dentre eles, o assistente social. Os defensores dessa técnica afirmam que presença da tecnologia por meio dos artefatos e sistemas é uma modalidade utilizada mais frequentemente, e tende a se tornar autônoma para reduzir o encarceramento. No entanto, atualmente tais artefatos tecnológicos se apresentam muito mais associados a interesses comerciais, ao acúmulo capitalista do que à promoção humana. Quanto à proposta da atuação técnica do profissional de Serviço Social também é necessário analisar a estrutura interna e externa para consolidar sua prática profissional de acordo com os princípios ético-profissionais.

Fundamentalmente, as práticas de segurança pública pautadas nas políticas de austeridade e Tolerância Zero não relacionam o ideal de segurança proposto pelo Estado democrático de direito. É necessário banir as práticas imediatistas, paliativas, desvinculadas entre as instituições e esferas de poder a quem compete o planejamento da segurança pública, e sem a devida participação da sociedade civil na definição, estruturação e implementação das ações. É fundamental reconhecer a importância de integrar ações de responsabilidade federal, estadual e municipal por meio da efetivação da democracia participativa, para que se tenha de fato avanço na política pública de segurança, e desse modo, quebrar o estigma autoritário e repressivo, resultante do período ditatorial, que visa constituir maior credibilidade e colaboração da sociedade para construção de um planejamento estratégico que diminua a violência por meio do trabalho em rede com as demais políticas públicas.

Verificou-se que é contraditório pensar em um Estado democrático de direito, atrelando as políticas de segurança pública às práticas de austeridade. Faz-se necessário investimento do Estado na política de segurança, e nas demais políticas públicas para levar em conta também que, não raras vezes a infração relaciona-se com as expressões da questão social. Nesse sentido, o investimento em formação e as iniciativas de cunho político, assim como a participação coletiva e articulada entre atores da sociedade civil, de organismos nacionais, internacionais e multilaterais se apresentam como uma substancial estratégia de fortalecimento geradora de um novo modelo de segurança pública.

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[1] Autora. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Graduada em Serviço Social e em Educação Profissional e Tecnológica. Mestra em Memória: Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Mestranda em Estado, Gobierno y Políticas Públicas pela Flacso Brasil. Especialista em: Gênero e Sexualidade na Educação; Gestão em Saúde; Docência em Ensino Superior com Ênfase em Gestão de Pessoas; Educação a Distância e em Gestão de Tutoria. Áreas de interesse de pesquisa: Encarceramento de Mulheres, Políticas Públicas, Gênero, Classe e Raça/cor. E-mail: bramuci.a.s@gmail.com.

[2] De acordo com o artigo 6º da Lei de Execução Penal (LEP) nº 7.210/1984, o assistente social é parte integrante da Comissão Técnica de Classificação (CTC), e deve atuar em equipe multidisciplinar ou individualmente nas atribuições específicas da seção VI. Art.22. A assistência social tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade. Art. 23. Incumbe ao serviço social de assistência social: I – Conhecer os resultados dos diagnósticos e exames; II – Relatar por escrito ao diretor do estabelecimento os problemas e as dificuldades enfrentadas pelo assistido; III – Acompanhar o resultado das permissões de saídas, e das saídas temporárias; IV – Promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação; V – Promover a orientação do assistido, na fase final de cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade; VI – Providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da previdência social e do seguro por acidente no trabalho; VII – Orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima (BRASIL, 2008, p. 24).

[3] O Sistema Interamericano de Direitos Humanos surgiu no contexto da Organização dos Estados Americanos e expandiu pela adoção da Convenção Americana de Direitos Humanos de 1966, e cumprem um papel de importância na ampliação da proteção dos direitos humanos no continente, onde os Estados assumem responsabilidades perante a comunidade internacional, tornando-se responsáveis pelas violações de direitos humanos ocorridos dentro das suas jurisdições.

[4] O monitoramento eletrônico é o meio utilizado pelo infrator com ou sem condenação, possibilitando o registro de sua movimentação pelos operadores da central de controle. O sistema permite seguir em tempo real os passos da pessoa vigiada a partir de dispositivos como o Global Positioning System (GPS), emite um sinal que passa por um receptor e, através da linha telefônica, chega até um centro de vigilância. Em seguida, é direcionado para um centro de controle, que monitora o infrator. Caso surja algum problema, uma vez verificado que este não é de ordem técnica, é notificado à autoridade encarregada, que adota as providências cabíveis. Funciona por meio de sistemas ativos como a adaptação de uma pulseira, tornozeleira, um cinto e um microchip. O uso mais corrente tem sido o das tornozeleiras. (JAPIASSU, 2007)

[5] No Brasil, a Lei nº 12.403/2011 inseriu o monitoramento eletrônico no Código de Processo Penal, como medidas cautelares, e alternativas à prisão provisória, ou seja, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Mas, a Lei de Execução Penal (Art. 122-126), garante ao preso o direito à saída temporária e ao trabalho externo, a partir do regime semiaberto de cumprimento de pena caracterizando-se uma das etapas do seu retorno gradativo à sociedade, ou seja, a monitoração eletrônica se configura ai atribuir ao Estado um controle desnecessário.
[6] A LEP foi revista em 2003, e em outubro de 2017 foi aprovado o projeto de Lei Federal nº 513/2013 onde foram adicionados elementos de seguridade social o que representou um avanço, contudo, a LEP não perdeu o caráter conservador. Tais inserções somadas com os artigos já expressos na LEP, não abrangem todas as atribuições do Serviço Social expostas na lei de regulamentação da profissão (1993), e no Código de Ética (1993), que limita a sua atuação técnica profissional.
[7] Zygmunt Bauman foi um sociólogo e filósofo polonês, suas análises e discussões visavam a compreensão do mundo moderno e suas nuances sociais. Para ele, a individualização se naturalizou na contemporaneidade, a sociedade estimula os indivíduos a agirem em função dos problemas diários e ao tentar fazer com que as vidas tenham sentido os homens tendem a se culpar pelas próprias falhas e derrotas. Para Bauman a reação só leva a mais isolamento e a sociologia pode contribuir para conectar as decisões e ações individuais aos medos e questionamentos mais profundos do ser humano.
[8] No diálogo bíblico, (Gênesis 4: 9) quando Deus pergunta a Caim onde estaria Abel, recebeu como resposta: “Acaso sou guardião de meu irmão?”. (BIBLIA SAGRADA, 1980)
[9] Greco (2011, p. 477) defende o monitoramento eletrônico de pessoas; afirma que a ressocialização é mais que um problema de Direito Penal, e que a implantação do monitoramento é inevitável, ao considerar o contexto de falência e desrespeito do sistema penitenciário brasileiro a dignidade da pessoa humana. Em oposição, para Leal (2011, p. 59) tal “prática é inconstitucional e inconciliável com o Estado Democrático de Direito, visto que, penetra em distintas formas e circunstâncias na esfera privada do indivíduo. […] não alcança a reabilitação dos ofensores e a desmassificação dos centros penitenciários”. A punição transcende ao apenado rebate na sua vida e na família, diante das restrições impostas pelas regras do monitoramento, expondo as pessoas à humilhação pública e à estigmatização.
[10] Em 1969, na Stanford University (EUA), o Professor Philip Zimbardo conduziu um experimento em psicologia social que consistiu na utilização de dois veículos idênticos colocados em bairros que possuíam características diferentes, sendo um de classe alta (Palo Alto, Califórnia) e outro de classe baixa em Nova York (Bronx). O veículo deixado no Bronx foi rapidamente saqueado e destruído em 24 horas, enquanto aquele deixado em Palo Alto permaneceu intacto. Assim Philip destruiu uma das janelas do carro e partiu, mas, em poucas horas o veículo estava totalmente destruído. Dessa forma, em 1982, nasce a Teoria das Janelas Quebradas a partir dos estudos do psicólogo criminologista George Kelling e pelo cientista político James Wilson, baseado no argumento que as práticas delituosas não são resultados diretamente e integralmente da condição econômica. Conclui-se que não é a pobreza o desencadeador do crime e sim as relações sociais, as influências, os exemplos, sendo necessário, portanto, que a criminalidade seja rigorosamente reprimida.
[11] O programa policial de Tolerância Zero baseou-se na Teoria das Janelas Quebradas, defendendo que a tolerância e desordem abrem brechas para a criminalidade, da mesma forma como uma janela quebrada passa a impressão de abandono e conduz à quebra de outras. Tal teoria induz também que o policiamento de pequenas infrações reduzirá a ocorrência de crimes mais graves. Mas, a proposta original do programa incorpora um trabalho planejado com a comunidade local sobre os níveis de tolerância e sobre os atos infracionais cometidos. O programa Tolerância Zero implementado em Nova Iorque ignorou a participação comunitária nas decisões.

Marta Bramuci de Freitas Autora. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP) da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Graduada em Serviço Social e em Educação Profissional e Tecnológica. Mestra em Memória: Linguagem e Sociedade pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Mestranda em Estado, Gobierno y Políticas Públicas pela Flacso Brasil. Especialista em: Gênero e Sexualidade na Educação; Gestão em Saúde; Docência em Ensino Superior com Ênfase em Gestão de Pessoas; Educação a Distância e em Gestão de Tutoria. Áreas de interesse de pesquisa: Encarceramento de Mulheres, Políticas Públicas, Gênero, Classe e Raça/cor.
E-mail: bramuci.a.s@gmail.com

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